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História do Bullmastiff - O surgimento da raça

PARTE II
História do Bullmastiff - O surgimento da raça

Por André Antunes Coltre 
15/12/2016

Continuando o saldo de minhas pesquisas sobre a raça, compartilho com vocês algumas coisas que consegui sobre a história do Bullmastiff.

A Formação
O Bullmastiff é a única raça britânica especificamente desenvolvida para a guarda, tendo sua origem na cruza entre as versões antigas do Mastiff Inglês e do Bulldog Inglês, que eram mais funcionais e bravos do que os atuais. Já em 1785 haviam referências a cães de grande porte e semelhantes ao Bullmastiff, sendo designados por diversos nomes, incluindo Gamekeeper Nightdog, Bull-Mastiff ou Big Bulldog.
O que estava sendo procurado nestes tempos era um cão de trabalho, principalmente como gamekeeper, ou seja, um guarda-caça. Tal tarefa não seria adequada para um cão nervoso, barulhento e inquieto, mas sim para um cão poderoso, bem disciplinado e silencioso para encontrar caçadores, capaz de derruba-los e detê-los sob comando, tendo ainda a possibilidade de seguir observando calmamente. Não é difícil imaginar que muitos destes cães tiveram vidas curtas e brutas. “Pathfinder” em “Breaking and Training Dogs” de 1906 escreve:

“Em muitas partes do país é costume que os guardas e vigias estejam acompanhados de nightdogs, mas são auxiliares úteis apenas se forem devidamente treinados ... normalmente, o Bullmastiff é a raça selecionada para este propósito, o rajado se possível”.

Evidentemente foram utilizados e experimentados diversos tipos caninos nestes cruzamentos, existem referências sobre o Dogue Alemão, o Dogue de Bordeaux, o Bloodhound, o Labrador que estava começando a emergir neste período e até mesmo do São Bernardo. No entanto, a essência da fórmula sempre foi unir a imensa força, coragem, lealdade, estabilidade e aparência intimidadora do Mastiff com a resistência, tenacidade, investida silenciosa e agilidade do Bulldog. Destes ancestrais cuidadosamente selecionados e especificamente funcionais, surgiu um tipo de cão destemido, resistente, bem proporcionado, imponente e com uma agressão sem exageros. Cabe aqui mostrar a qualidade de cão a que se buscava, conforme escreve o Sr. W. Burton, o mais experiente instrutor de cães de seu tempo:

“O típico nightdog de Thorneywood não deve ser inferior a 80 libras e se tiver 100 libras e for apto e ágil, tanto melhor. Tem de ser tigrado escuro, com rajas largas para facilitar a ocultação durante a noite.
Ele não deve temer nenhum homem ou grupo de homens, não importa quão sinistra seja a intenção. Ele deve ser capaz de enfrentar o bastão, o chicote e a espingarda com igual entusiasmo e não apresentar qualquer timidez ou medo com relação a estes. Uma vez envolvido com seu algoz ele deve apertar viciosamente e lutar como um leão, sem nunca abandonar seu domínio, mesmo quando castigado ou se levado a morte. Mas sob minhas ordens ele deve ser obediente e fiel. Na minha casa ou em seu canil tem de ser tranquilo e de bom temperamento. Não existe cão melhor ou mais resistente do que um bom nightdog”.

S. E. Moseley proprietário do Canil Farcroft e que assumiu o papel de liderança no tipo de cão que viria ser considerado um Bullmastiff possuía um lema admirável:

“Farcrofts são o que os bullmastiffs devem ser – fieis e sem medo, porém sem serem ferozes, grandes o suficiente para serem poderosos, mas não muito grandes para terem poder em excesso”.

Ainda sobre o que se considerava um Gamekeeper Nightdog ideal, temos o escrito de “Wildfowler” em “Training a Keeper’s Night Dog” de 1915:

“... é melhor ter um animal muito grande, cujo tamanho imponha imediato respeito e o rosnado por si só seja um tanto atemorizante, porém se o rosnado não é o suficiente, o cão deve ter disposição e ser capaz de investir num aceno de seu mestre, se necessário com o sacrifício da própria vida, quando chamado para protege-lo”.

Mesmo a polícia encontrou nestes cães um grande valor e usaram-no como guardas de armazéns e docas. O que vale lembrar a citação do Sgt. Cordy da polícia de Walsingham, Norfolk em 1932:

“Pessoalmente, não vejo cão melhor do que o Bullmastiff para o trabalho da polícia e eu estou pronto para apoia-lo contra qualquer raça. Pode interessa-lo saber que fiz uma oferta para um de meus camaradas que é um alsacianista para treinar um Bullmastiff contra um Alsaciano, ambos devendo seguir a trilha do modo mais estável. Eu vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para promover esta grande raça totalmente inglesa. Eu tenho provado o quanto é destemida e fiel. Foi um amigo gamekeeper que me recomendou e disse que eu nunca iria me arrepender de ter um. Suas palavras eram verdadeiras”.

Em “The Gamekeeper at Home” escrito em 1879, Richard Jeffries relata um tipo de situação a que estes nightdogs podiam encontrar, interessante a prioridade que os caçadores davam em matar o cão:

“Na última patrulha (a do fidalgo) foram seis homens e um cão mastim, estando quatro armados e o cavalheiro portava uma forte clava. Eles foram sobre uma gangue (caçadores furtivos) se dirigindo pela sombra. Com um grito os quatro ou cinco homens andando pela grama verde deslizaram para atrás das árvores e dois dispararam matando o cão mastim e ferindo um homem na perna”.

Outro relato interessante pode ser encontrado em “Dogs Since 1900” por Croxton Smith:

“Pouco antes da Segunda Guerra, eu li que muitos deles estavam empregados na guarda das minas de diamantes em Kimberley. Eram utilizados todas as noites cinquenta sentinelas ao redor de uma milha quadrada de cercas de arame farpado. Funcionou tanto que onde antes eram necessários cinquenta homens armados, passou a ser usado apenas quatro homens com cães”.

Isto tudo me remete ao principal escritor sobre cães de seus dias, Robert Leighton que escreve em seu livro de 1922 “The Complete Book of the Dog”:

“... o mais popular de todos os mestiços, como um cão de guarda é o Bull-Mastiff, que é quase digno de ser considerado como uma raça distinta”.

Entre os pioneiros dos gamekeepers nightdogs como criadores incluem J. H. Biggs de Osmaston Hall em Derbyshire, W. Burton de Burtonwood em Nottingham, J. H. Barrowcliffe (que mais tarde viria a ser presidente do Midland Bull-Mastiff Club), H.E.V. Toney, V.J. Smith, J. Barnard e S. E. Moseley.

O estabelecimento como raça
Mas foi somente em 1924 que o Kennel Club deu o reconhecimento oficial como raça, em 1925 é registrado o Midland Bull-Mastiff Club e em 1926 aparece o National Bullmastiff Police Dog Club.
E foi o Sr. S. Moseley que conseguiu estabilizar a genética da raça como apenas Mastiff Inglês e Bulldog Inglês, após muitas tentativas de acasalamento. O resumo de sua fórmula de seleção foi a seguinte –

F1: Cruzando uma fêmea de Mastiff com um macho de Bulldog para se obter um 50M/50B%;
F2: em seguida foi utilizada uma fêmea da ninhada 50/50% com um Mastiff puro macho dando um 75M/25B%;
F3: depois foi acasalado uma das fêmeas 75/25% com um macho F1 gerando cães 62,5M/37,5B;
F4: nesta etapa foi feito um cruzamento entre uma fêmea 62,5/37,5% com um macho F1;
F5: uma fêmea 56,25M/43,75B% com um macho F4;
F6: O resultado obtido seria um cão tendo aproximadamente 60% Mastiff Inglês e 40% Bulldog Inglês.

Por conta disto, Moseley é visto como o pai da raça e qualquer Bullmastiff atual pode rastrear seu pedigree até os cães de seu canil, o Farcroft. Sua cadela Farcroft Silvo e seu cão Farcroft Fidelity foram os primeiros exemplares da raça a se tornarem campeões de exposição. Inclusive o já comentado Robert Leighton dizia sobre Fidelity: “Ativo como um terrier, com os quartos traseiros que não iriam decepcionar um alsaciano”.
No entanto, se analisarmos atentamente veremos que estes cálculos não possuem tanto fundamento, podendo ser uma alegação falsa de Moseley que apesar de ter sido um criador muito influente em sua época não era uma pessoa confiável, tendo montado vários pedigrees falsos e até mesmo recebido uma advertência do Kennel Club, porém estes detalhes servem mais para outro tópico.
De qualquer forma a longa trilha percorrida pelo Bullmastiff parece ser uma história notável de cães de trabalho.

Fotos:  Farcroft Fidelity



Agradecemos o amigo 

André Antunes Coltre  por nos ceder o maravilhoso artigo sobre a raça.

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