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História do Bullmastiff - Métodos de treinamento e testes de aptidão

História do Bullmastiff - Métodos de treinamento e testes de aptidão

Por André Antunes Coltre 
12/12/2016
Tradução livre feita por mim, aberto para correções e melhorias

Venho a alguns meses pesquisando e colhendo informações sobre a história do Bullmastiff, não somente sobre sua formação e seleção, mas também descrições com relação a função, o ideal de temperamento e as formas de treino e os testes feitos pelos criadores da raça.
No tópico de agora apresento a vocês uma excelente carta sobre como se preparava um Bullmastiff entre os séculos XIX e XX para desempenhar o seu trabalho de guarda caças, também inclui no final dois métodos de testes consagrados na raça.
Espero que além de encantar com os belos textos, eu possa suscitar uma discussão crítica e agregadora sobre a raça e sobre adestramento.

Documentação sobre o treinamento dos bullmastiffs na Inglaterra

Frank Townsend Barton MRCVS, publicado em 1905
Para o Sr. W. Burton, do Thornewoods Kennels, Nottinhghan (por gamekeeper), estou em débito pela seguinte carta.

Um nightdog perfeitamente treinado e confiável é tão útil para o gamekeeper como dois ou três assistentes, de fato, tenho ouvido pessoalmente que os caçadores preferem enfrentar uma dúzia de homens do que metade desse número acompanhado por um desses animais, mesmo tendo de oferecer resistência contra todos. Sendo este o caso, isso se torna uma maravilha, porém os nightdogs já não são mais utilizados com frequência pelos gamekeepers em localidades difíceis, por isso temo que estes cães caiam em descrédito pela forma despreparada como veem sendo empregados por manejadores descuidados. Afinal não se deve supor que basta colocar uma focinheira num nightdog adulto que ele simplesmente vai saber tudo o que tem de fazer em combate. O cão tem de ser treinado em sua função do mesmo modo que se deve ensinar um retriver a trazer a caça ou ele nunca vai se mostrar um parceiro satisfatório quando caçadores furtivos forem localizados.
Ao conseguir um filhote, ele deve ser acostumado a utilizar uma focinheira desde a mais tenra idade - cinco meses por exemplo - e com relação a estranhos, nunca deve ser permitido que estes brinquem ou o acariciem, mas por outro lado, podem provoca-lo à vontade, desde que não machuquem o filhote. De todos os modelos, a minha focinheira preferida é aquela que possui um pedaço firme de couro por de baixo da mandíbula e que possui tiras em volta do pescoço e nariz, sendo acompanhado de fivelas, pois facilita a manipulação conforme a necessidade.
Assim que o cão atingir os dez meses e já está bem habituado a focinheira, ele deve ser levado amordaçado para um lugar calmo, onde um figurante desconhecido que você arranjou já está aguardando. Este homem tem de estar segurando uma bolsa numa das mãos e utilizando uma luva na outra e permanecer escondido no local designado, quando o cão e seu mestre ficarem por volta de noventa metros ou mais, o figurante deve sair de seu esconderijo e correr pelo campo. O cão de uma só vez deve ser liberado e encorajado a atacar o homem, com seu proprietário correndo com ele por toda a perseguição. Tão logo o cão alcance sua presa, o figurante tem como dever golpear-lhe com a bolsa, dar socos em seu flanco e puxar sua cauda, provoca-lo de modo geral. No entanto, não permita que isto continue por muito tempo sem alguma pausa, um cão amordaçado perde seu fôlego logo. E seu mestre deve chegar ao local do confronto o mais rápido possível, depois de incentivar um pouco o cão, terá de retira-lo e afrouxar a focinheira, assim que der um ligeiro descanso, o cão pode repetir a partida como fez antes.
No período em que o cão começar a mostrar desejo por entrar em luta, o figurante pode utilizar um bastão e ser instruído a dar-lhe um ou dois golpes rápidos, mas neste momento deve ser tomado muito cuidado e também se tem de observar seus efeitos. Alguns cães embora capazes de lutar até o final, são tímidos e sensíveis, de modo que um golpe com a vara pode causar hesitação, não por medo do golpe em si, mas por uma impressão de ter sido castigado por algo que tenha feito de errado. Caso isso ocorra, o uso do bastão deve ser dispensado por um tempo e reintroduzido no futuro em diversificação de graus, se feito da maneira correta, logo o cão passa a levantar a agressão. Tenho visto filhotes da mesma ninhada a variar muito no desenvolvimento da coragem, alguns são capazes de suportar vários golpes de bastão com um ano de idade, enquanto outros só serão capazes de enfrenta-lo seis meses mais tarde. 
Teve uma situação em que eu me deparei a um tempo atrás. Um gamekeeper tinha um cão jovem que eu arrumei para ele e dezoito meses mais tarde ele me relatou que não era um bom cão. Fiquei surpreso e perguntei se ele havia trabalhado exaustivamente a criatura. "Sim!" Disse ele, "eu tenho um observador para supervisionar o parque e eu liberei o cão nele. Ele foi bem, mas quando recebeu o golpe com a vara, voltou para mim e eu atirei nele". Este mesmo homem sabia que eu havia mantido um cão desta mesma ninhada e me perguntou como eles estavam progredindo. Então arranjei um modo dele vir me visitar e ver como se trabalha um cão, ele ficou muito surpreso com o que testemunhou. Em seguida eu expliquei que os cães que executam este tipo de trabalho precisam de formação, mas o meu amigo afirmou o contrário, dizendo que nenhum tipo de treinamento deve ser necessário.
Em nenhum caso o cão deve ser treinado preso na guia, ou o resultado será o de que ele não irá perseguir homem nenhum. Em vez disso, ele só avançará no caçador quando ele estiver perto e em seguida vai olhar para seu dono. O cão tem de ser ensinado a confiar em si mesmo. Alguns gamekeepers utilizam uma corda longa e mantêm seus cães religiosamente presos até o momento final, a razão disso eu nunca poderei entender, a não ser a de manter o animal próximo para a sua própria proteção pessoal. Se assim for, o cão não está sendo posto em sua função real.
O nightdog é mais valioso para capturar um homem do que para lutar contra um, mas ainda assim ele deve ser ensinado como lutar, porque é o amor pelo combate que irá fazê-lo perseguir. Obviamente que um cão é muito útil quando uma luta áspera acontece, porém ele age desse modo duplo somente depois que houve primeiro uma longa perseguição contra os caçadores e é somente depois que ele salta num homem que ele será obrigado a derruba-lo. Além disso, se um cão se recusa a perseguir um homem, ele não será bom no caso de um grupo que comece a arremessar pedras e nesses casos um animal resoluto é sempre bem-vindo. As chances reais de um cão ser atingido por uma pedra são de dez para um e se ele já está perto, nenhuma pedra poderá ser arremessada por medo de que um dos camaradas seja atingido e enquanto o animal está ocupado com um dos membros do grupo, os outros terão muito trabalho para evitar os avanços do cão, no entanto, irá permitir que o grupo tenha tempo para atirar nos guardas que agora devem acelerar para entrar na luta.
Para entender melhor, suponha que um cão quando liberado avança sobre um homem e não mostra medo nenhum do bastão, ele deve então ser ensinado a manter o ataque e não dar um ou dois saltos e depois voltar permitindo que seu adversário tenha oportunidade de escapar. Como um meio de realizar tal coisa, o proprietário do cão deve se manter o mais próximo possível dele e incentiva-lo a sustentar a luta. No entanto, se tirar o cão do enfrentamento somente após perceber claramente que o cão está ficando sem fôlego, a probabilidade é de que este vai ficar parado e como o homem instintivamente faz a mesma coisa, ele vai regressar para seu mestre, talvez achando que tenha cumprido com seu dever. Uma vez que este hábito é adquirido, será necessária alguma paciência para corrigi-lo. É uma regra de ouro nunca esgotar um cão jovem sem necessidade, assim conforme for avançando em idade ele será capaz de lutar por um dia inteiro.
Tendo progredido até agora, o cão deve passar para a próxima fase de treino, que consiste em encontrar um homem escondido numa vala ou em cima de uma árvore. Sinceramente, esta é uma tarefa um tanto difícil e não são todos os nightdogs que desenvolvem alguma inteligência neste quesito. Para começar, se deve instruir o homem a se manter numa vala em uma de suas extremidades, tendo o cuidado para que o vento esteja a favor do cão e em nove a cada dez casos será possível perceber que ele olha como se estivesse procurando alguém. E deve-se ir incentivando o animal a seguir em frente conforme ele vai se movendo na direção da pessoa escondida, deve-se incentivar. Quando chegarem perto da vala o cão vai detectar muito fortemente o cheiro de sua presa e neste momento o figurante deve fazer um ligeiro movimento com a intenção de atrair a atenção do animal. Este movimento deve ser repetido até que se descubra o local do esconderijo, sendo ensinado assim a rastrear, o cão se torna rapidamente hábil em encontrar caçadores furtivos que tentem se esconder. 
Tanto quanto isto é certo, não existe afirmação de que um homem pode despistar seu rastro com a vantagem de alguns minutos, se o cão é colocado sobre a trilha, o homem será seguido. Alguns bull-mastiffs podem se tornar muito capazes para alcançar o homem, no entanto, estudos recentes têm demonstrado que até mesmo o Bloodhound de alta linhagem tem de possuir treinamento antes de infalivelmente caçar um homem nestas condições.
Outra coisa importante a ser mostrada para um nightdog é o de deixar o homem que ele derrubou e investir em outro enquanto o primeiro já está sendo dominado pelos gamekeepers. Suponha que os guardas carreguem contra meia dúzia de caçadores furtivos, de um salto eles se levantariam e fugiriam, deixando os caçadores não capturados ficarem em vantagem e com a quase certeza de escaparem numa fuga se o cão não é competente para desempenhar seu papel. Mas se ele é capaz, prontamente ele perseguirá de perto e assim que conseguir fará uma carga contra um dos homens e o manterá no chão, ele então deve ser encorajado a investir contra outro caçador da mesma forma e assim por diante até que todos tenham sido presos.
Para ensinar um cão a fazer isso, será necessário o uso de dois figurantes que devem permanecer juntos e munidos de bastão e quando eles estiverem correndo, solte o cão e siga-o com explicado anteriormente. Quando o cão se aproximar, os dois figurantes devem se separar e ele vai delimitar sua atenção para um deles, assim que ele atacar o primeiro homem, este deve vir para baixo e ficar completamente imóvel, então o cão deve ser levado a atacar o segundo que nesta altura estará a uma boa distância. De início, o cão vai claramente preferir ficar focado naquele que conseguiu derrotar no começo do exercício ao invés de ir buscar uma nova chance de glória, mas persevere com ele até que renove a perseguição sem qualquer hesitação. Você conseguirá melhor resultado nesse caso ao não permitir que o segundo figurante fique muito longe e é aconselhável que este acene com o bastão e de outras formas tente atrair a atenção do cão fazendo um convite para o ataque. Assim que o cão compreende o que lhe está sendo exigido, vá aos poucos aumentando a distância entre os dois homens, ou deixe que ambos corram em direções opostas.
Também é extremamente importante ensinar o cão a respeitar os amigos, ou seja, atacar somente aqueles a quem é ordenado e após o feito não vir a fazer mais nada. Se ele não conseguir aprender isto é bem provável que não vá para cima daquele que não lhe chame a atenção. Assim que um cão se torna suficientemente trabalhado e provado que ele é um animal de alta qualidade em todos os sentidos, se torna muito aconselhável permitir que o figurante que ele vem enfrentando sentar-se ao seu lado e esforçar-se para se tornar amigo de seu oponente de quatro patas. Nem todos os cães vão consentir uma interação agradável neste ponto, mas a maioria geralmente se acalma e permanece quieto quando entendem bem que este é o comportamento esperado. É necessário que o cão reconheça que tenha cumprido seu papel após uma longa batalha, ele deve ficar quieto, ou seria estranho, para dizer o mínimo, se um gamekeeper tem de digladiar para afastar o animal de um caçador capturado, um mais malandro se aproveitaria do esgotamento dos dois para escapar.
Um nightdog não deve nunca, sob nenhuma circunstância, ser atiçado por uma pessoa que no futuro terá de acompanhar o animal. Se assim for é quase certo que o cão fará sua carga contra esta pessoa quando inserido num embate contra caçadores. Tem ocorrido vários casos como este, em alguns deles o cão tinha sido avaliado pela pessoa quando ainda era filhote. Isto prova que eles não esquecem com facilidade a identidade de um adversário.
Há uma outra coisa que um cão deve aprender, para além de ter adquirido entendimento das aulas mencionadas anteriormente para que possa ser considerado o nightdog perfeito. Quando deitado em campo com um grupo de guardas, não deve ser permitido que este adquira a mania de se enrolar e dormir como um porco gordo. Mas deve ser mostrado para ele que tem de permanecer atendo para a vinda de caçadores ilegais, utilizando seus sentidos naturais de audição e olfato para os detectar muito antes que possam ser vistos em cena e sejam identificados pelos sentidos humanos. Alguns cães fazem isso naturalmente, o restante só precisa de um incentivo para que se tornem observadores proficientes. Se um jovem cão manifesta a tendência de adormecer quando em campo, peça para que um homem vá para o local onde o cão está dormente. Este individuo terá de se mover muito cautelosamente, tanto quanto consiga e ir direto para o cão se lançando asperamente sobre ele. Isto deve ser repetido entre intervalos e em breve o cão passará a ficar atendo, esperando cada som para anunciar a chegada do antagonista.
Também nunca permita que um nightdog cace coelhos, se ele ganha permissão para fazer isso, a movimentação do pequeno animal irá sempre monopolizar a sua atenção e os gamekeepers nunca poderão ter certeza se ele levanta as orelhas com o farfalhar de um coelho sobre folhas mortas ou se é para a chegada de caçadores; quando colocado em perseguição ou luta é mais provável que dirija sua atenção para uma atividade menos útil.
As opiniões têm variado sobre o peso que um nightdog deve alcançar, no entanto, um cão pequeno, não importa o quão perseverante seja, não terá a mesma eficácia como aquele que é grande, tenaz e ativo. Suponha que um cão de 50 ou 60 libras salte num homem, este último não poderia ser derrubado. Um caçador inteligente esperaria pela oportunidade, dominaria o animal com seus braços e o arremessaria contra algo que esteja em volta, bem ciente de que o cão não consegue saltar para trás. Um nightdog não deve ser inferior a 80 libras, se ele pesa 100 libras e for forte e ativo, tanto melhor. Ele deve ser capaz de saltar um portão com facilidade e atingir o solo em bom ritmo. Com relação a cor, o tigrado é preferível, pois não é facilmente visível durante a noite como é o vermelho e o castanho, ou mesmo um cão preto.
Quando um cão perfeito for comprado ou treinado, todos os cuidados devem ser tomados para que ele seja utilizado corretamente. Ele só deve ser permitido morder um homem quando for absolutamente necessário e em seguida tem de ser firmemente amordaçado. Se um caçador se desespera e entra numa luta pela vida, os observadores devem utilizar o critério próprio quanto a dar a liberdade para que o cão morda. Se a focinheira for retirada, certamente o homem atacado irá ser marcado de tal forma que ele vai ser facilmente identificado. Para escapar de um nightdog tem rapazes que agridem até com cogumelos e amoras, este é o cumulo da loucura desenfreada devido ao grau dos ferimentos e terror a que podem chegar. Lembre-se de que é melhor não perder cão, se um homem pode ser capturado sem mordidas, o cão deve permanecer amordaçado, exceto nos casos extremos. Um caçador que teve suas roupas rasgadas e foi mordido por simplesmente ter fugido, quando levado aos magistrados pode evocar a piedade destes, embora de coração mereça a condenação de seus juízes, além disso uma ação civil por danos pode vir a acontecer.
É por se esquecerem completamente destas regras que tantos senhores se opõem aos nightdogs que estão sendo utilizados em suas propriedades. Mas se um animal deste tipo é considerado em sua forma correta e não for abusado, sua mera presença vai fazer mais para deter caçadores furtivos do que o emprego de meia dúzia de mãos extras.


Relatos colhidos por David Hancock (um dos atuais especialistas da raça)

Sobre o cão Terror de W. Burton
Thorneywood Terror é considerado o Bullmastiff mais bem-sucedido de toda a história da raça, segundo consta ele viajava através da Inglaterra com seu dono, o Sr. Burton fazendo demonstrações em provas de trabalho e nunca falhou nestas apresentações, o que aliás rendeu um bom dinheiro na época.
O Sr. Burton do Thorneywood Kennel levou para uma exposição um nightdog (mas não era para participar da competição) e ofereceu uma libra para qualquer pessoa que conseguisse escapar de seu cão que estaria de focinheira. Quem se prontificou a aceitar o desafio foi um expectador que já tinha experiência em lidar com cães, para assim divertir um grande grupo de desportistas que havia se reunido no local. Ao homem foi dado um bastão e permitido que se adiantasse para longe do cão por dez minutos, o animal correu atrás dele, o pegou e o derrubou imediatamente com o primeiro salto.
O homem tentou bravamente se manter de pé, mas caia toda vez que conseguia se erguer, em última instancia foi mantido no chão até que o proprietário do cão o liberou. Esta pessoa e o poderoso canino participaram três rodadas, mas ele foi espancado durante todo o tempo e foi incapaz de escapar.
Esta fascinante apresentação de homem VS cão ocorreu na data do dia 20 de agosto de 1901.

Sobre o cão Lion de Charles Peirce
No início do século passado, um veterinário de Londres, Charles Peirce, encorajava seus bullmastiffs a colocar para baixo qualquer homem sob comando ... No entanto, o mais reconhecido Bullmastiff de Peirce era um tigrado chamado “Lion”, descendente de uma famosa nightdog chamada Osmaston Viper.
Peirce tinha um ringue em seu quintal e apostava contra qualquer homem se este conseguiria permanecer de pé por cinco minutos ao enfrentar “Lion” dentro do ringue. “Lion” nunca perdeu uma aposta para seu dono, apesar de muitos terem tentado. O cão nunca fez mal aos seus “adversários”, apenas colocava-os para baixo e os mantinha ali até que fosse ordenado que os libertasse.



(( Agradecemos o amigo por disponibilizar a publicação))


Salientamos que recomendamos que o treinamento seja feito pos profissionais altamente habilitados face as peculiaridades da raça.

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